quarta-feira, 13 de abril de 2011

Vida Sofrida


Mary Trarbach

Cabelos frisados, tecidos dobrados.
Acanhada, a menina vai...
Tranças mal feitas, vestido tosco...
Risos presos na garganta!
Suor misturado com a poeira do caminho...
Operária triste.
Vida dura, vida sofrida...
Pés descalços, mãos calejadas.
Destino traçado...
No radinho de pilha uma canção fala de amor.
E o pobre sonha, canta e esquece a labuta com sua dor...
Domingo de sol...
Frango, macarrão, missa, procissão.
A donzela de trança mal trançada
Espera e faz sua reza domingueira...
O coração cheio de esperança
Vestido mal passado, tecido enrugado...
Chinelos gastos em pés com tilomas doloridos.
O olhar brilhante avista o homem!
Que com seu radinho de pilha,
Sorri radiante...
Almas sofridas que em sua simplicidade
Conseguem ter no amor a felicidade.
Juras eternas de amor ardente...
Virgens com carícias reprimidas...

PARALELO

PARALELO

Mary Trarbach

No catre imundo sob a marquise,
A pequerrucha dorme.
O frio corta impiedoso.
 E ela, em posição fetal,
Tenta aquecer-se.
Desejo de voltar à madre.
Enquanto sonha sorri...
Criança pobre também tem sonho bom!
Quarto decorado,
Abajur de cristal.
Brinquedos espalhados...
Lençóis brancos, perfumados.
A menina dorme e sorri.
Vidas paralelas, desiguais!
A pequerrucha desperta,
Procura o pão.
Um pobre coitado divide com ela
O que recebeu de algum irmão.
A menina asseada
Faz o seu desjejum.
Reclama do cardápio.
Vai pra escola aprender sua lição.
Paralelos da vida.
Tão desiguais!
Mocinha tão triste
Que olha as vitrines.
Em seus farrapos, sonha.
Alguém a expulsa,
Preconceito cruel!
A lágrima que rola,
Embaça seu olhar...
Ela também sonha.
Deseja, mas não tem...
A moça bonita e perfumada.
Pisa firme com salto alto.
Estilistas criam pra ela.
Olha a vitrine, mas não gosta do que vê,
Mas é recebida com honra,
A outra quer vender.
Vidas paralelas, desiguais!
Assim passa a vida,
Que o tempo consome,
Felicidade e tristeza,
Aconchego e abandono.
Fartura e fome.
O sol brilha,
A chuva cai.
Comemorações da vida.
Noites perdidas
Nos madrigais.
Vidas paralelas,
Tão desiguais!
Chega o epílogo.
É o ponto final.
A dama de preto,
Justa e implacável.
Mostra o que é real.
Ela não tem preconceitos,
Amamenta com seu fluido venenoso,
Os paralelos que no fim se fundem.
Daí: Vidas paralelas tão iguais.








HOSPITAL

                                                                                                                  
Texto de Mary Trarbach

Pessoas que choram e gemem de dor...
Pessoas que riem e comemoram um novo ser.
Humanos confusos.
Desconhecidos que dividem seu horror...
Espíritos perturbados que não sabem o que fazer.
Amigos do espaço que confortam e curam.
Espíritos viajantes que lotam o corredor.
Gemidos, risos.
Alívio pela alta e desespero da perda.
Amizades breves que nascem na união da dor.
No hospital todos são iguais.
Não há superioridade.
Não há preconceito ou religião.
Raças misturadas, deslocadas.
Desejo de voltar pra casa.
Embaraço diante dos profissionais de branco.
Vemos então, quão frágeis somos.
Mortais, tão iguais.
Por que a vaidade?
Aqui o sábio, aprende mais uma lição.
Aqui a vida nasce e morre.
Uma luz ascende e outra se apaga.

ANJO


 Texto de Mary Trarbach

 Um Anjo caminha nas nuvens,
Sangra-lhe os pés.
O gotejar de sua seiva
Pinta de carmim o céu!
Quanta beleza! Quanta leveza!
Seu perfume lança-se à terra.
Fertiliza-a para o nascer de um novo ser.
Em seu balé colorido, a borboleta encanta.
E o beija-flor, ciumento, vibra suas asas azuis!
A flor entrega-se a esse amor fecundo.
Entrega seu mel e adoça a vida.
O Anjo de cima, observa atônito
Todo o milagre que se faz.
Por que sangra então?
Será a indignação pela destruição?
E o Anjo caminha nas nuvens...
Triste, porém risonho.
Ainda há esperança.
Existe o gargalhar da criança.
Que feliz brinca sob a aquarela carmim.
Mas da terra brota o “humos”, humanóide...
Desvairado, espalha destruição...
Apaga os sorrisos infantes...
Cujas esperanças desvanecem...
Então o torrão se abre
E causa a desolação.
Lamentação em toda Nação...
Até quando? Pensa o Anjo choroso!
E o Anjo sangra! E sangra!...


sábado, 2 de abril de 2011

LOUCURA

                                                 



Texto de Mary Trarbach
O que é isso que me rasga o peito?
Que desnuda a minha alma e revela a decomposição diária dessa carcaça metamorfa?
O que é isso que me extasia e me faz flutuar?
Viajo entre as estrelas, aqueço-me no sol e refresco-me no sereno da madrugada fria sob a luz do luar.
O que será que me trava os dentes e que se rompe em estridentes gargalhadas insanas?
Será loucura?
Será desejo?
Será razão?
Ou simplesmente ilusão?
Ou quem sabe a busca incessante de meu eu. Será?
De manhã aconteço, a tarde desperto e a noite entrego-me e me perco nos braços de Morfeu.
Será sempre assim?
Será mesmo a busca por mim?
Ou será a procura de você?
Será sempre assim?
Tendo a companhia das lembranças vãs e o tempo me beija!
A solidão, minha fiel companheira!
Sou triste e sou feliz.
Choro quando rio e rio quando choro.
Tento disfarçar minha dor e tento me enganar...
Amo a vida, mas às vezes não a quero.
Por que ruborizo ao sabor do sol?
É porque Ele atrevido e indecente como Ele só, chega quente sem pedir licença e me beija o rosto.
Envelheço, apaixono e me desespero.
O tempo purpurina de prata minhas cãs.
Eu corro no compasso do tempo
E chorando seu desfecho fúnebre, meu corpo morre todos os dias um pouquinho.
Será que com todo mundo é assim?
Será loucura?
Ou simplesmente a insensatez de uma pessoa “normal”?
Seria insanidade entregar-me? Oh! Morte, amante fria e de olhar lúgubre...
 Neste momento derradeiro vem requerer meu amor e fazer-me dormir em seus braços longos?...
Saiba cruel verdugo, terá meu corpo que foi vaidade,
 Mas minha alma habitará entre os poetas e loucos do mundo.